Entenda como fundos compram precatórios como investimento
Você sabia que muitos fundos de investimentos estão indo atrás de precatórios?

Se você acompanha o noticiário financeiro, talvez tenha notado um termo que saiu das páginas jurídicas e invadiu as mesas de operação: precatórios. Longe de ser um assunto simples, esse tema ganhou destaque no Brasil, especialmente após intensos debates e mudanças nas regras de pagamento pelo governo.
Mas o que exatamente é isso? E por que fundos que compram precatórios estão no centro dessa discussão?
Para o investidor comum, o termo pode soar complexo ou distante. No entanto, para gestores de fundos profissionais, ele representa uma classe de investimentos alternativos com uma lógica muito clara: a possibilidade de comprar um direito de recebimento futuro por um valor presente muito menor.
O interesse crescente dos fundos nesse mercado não é por acaso. Ele é alimentado por uma combinação de fatores:
- Atrasos históricos no pagamento por parte do governo;
- Mudanças nas regras que, por vezes, aumentam a incerteza para o credor original;
- Taxas de juros atrativas que corrigem esses títulos.
Para os fundos de investimento, essa é a equação perfeita. Eles enxergam uma oportunidade de negócio onde o público geral vê apenas burocracia: adquirir esses títulos com grande desconto e estruturar operações para obter um retorno potencialmente elevado.
Este é um mercado de bilhões de reais, ainda pouco conhecido e explorado pelo grande público, mas que movimenta uma indústria inteira de análise jurídica e financeira.
O que são precatórios (explicação simples e acessível)

Vamos direto ao ponto, da forma mais simples possível: precatórios são dívidas oficiais que o governo é obrigado a pagar.
Pense neles como uma “promessa de pagamento carimbada pela Justiça”.
Quando uma pessoa ou empresa ganha uma ação judicial contra o poder público (seja a União, um estado ou um município) e não há mais possibilidade de recurso, o valor que o governo foi condenado a pagar se transforma em um precatório.
- Para o governo: É uma obrigação de pagamento incluída no orçamento.
- Para quem ganhou a ação (o credor): É um título, um direito de receber um valor específico no futuro.
A analogia para entender de vez
Imagine que você processou o município porque um buraco na rua sem sinalização causou um acidente grave com seu carro. Após anos, a justiça decide a seu favor e condena a prefeitura a pagar R$ 50.000 de indenização.
Como o governo não pode simplesmente “fazer um Pix” como uma pessoa faria, essa dívida precisa seguir um rito oficial. O juiz, então, emite uma ordem de pagamento. Esse documento, que reconhece formalmente a dívida de R$ 50.000, é o precatório.
Como nasce um precatório
O precatório é sempre o ponto final de uma longa jornada judicial. O processo, em linhas gerais, funciona assim:
- A Ação Judicial: Uma pessoa ou empresa processa o governo por um direito não reconhecido. Pode ser qualquer coisa: um reajuste salarial não pago, uma desapropriação de terreno, uma indenização por erro médico em hospital público, etc.
- O Processo (Anos de Espera): O processo corre na justiça, passando por várias instâncias. Isso pode levar 5, 10 ou até mais de 20 anos.
- A Decisão Final: Ocorre o “trânsito em julgado”, ou seja, o governo perdeu em definitivo e não pode mais recorrer daquela decisão.
- O Cálculo (Liquidação): O valor exato da dívida é calculado, incluindo correções monetárias e juros pelo tempo que o processo demorou.
- A Emissão do Precatório: O presidente do tribunal onde o processo terminou envia a ordem de pagamento (o precatório) ao ente público (União, estado ou município).
- A Fila de Pagamento: O governo é obrigado a incluir o valor desse precatório em seu orçamento para pagamento nos anos seguintes.
Exemplo simples: a professora
Uma professora estadual entra na justiça pedindo o pagamento de diferenças salariais que o estado reteve por anos. Após uma longa batalha judicial, ela ganha. O valor total apurado é de R$ 150.000. O juiz emite a ordem, e essa dívida de R$ 150.000 se torna um precatório estadual.
Por que fundos têm interesse em comprar precatórios
Aqui está o centro da questão e o motivo pelo qual o mercado de precatórios é tão dinâmico. Se a professora do nosso exemplo tem um título de R$ 150.000 para receber, por que ela o venderia? E por que um fundo compraria?
A resposta é a troca de tempo por liquidez, com lucro no meio.
Os fundos têm interesse porque conseguem comprar esses títulos com um grande desconto (chamado no mercado de “deságio”).
As principais razões para o interesse dos fundos são:
- Compra com Desconto: O fundo oferece ao credor original (a professora) um valor menor, mas imediato.
- Correção Atrativa: O valor total do precatório (os R$ 150.000) não fica parado. Ele é corrigido pela inflação (IPCA-E) e por juros (atualmente, a taxa Selic). O fundo ganha tanto no desconto quanto nessa correção.
- Alto Potencial de Retorno: A combinação do deságio na compra e da correção até o pagamento pode gerar retornos muito superiores aos da renda fixa tradicional.
- Descorrelação: Este é um ponto-chave dos investimentos alternativos. O pagamento de um precatório não tem relação direta com a Bolsa de Valores subir ou cair, nem com o PIB do país. O risco é outro: é um risco jurídico e orçamentário.
Exemplo prático da compra
Voltando à professora: ela tem R$ 150.000 para receber, mas o estado pode demorar mais 5 ou 8 anos para pagar.
Um fundo de investimento se aproxima e faz uma oferta: “Eu te pago R$ 90.000 agora, à vista, e assumo o seu lugar na fila.”
- Para a professora: Ela perde R$ 60.000 em valor de face, mas recebe R$ 90.000 na hora, resolvendo sua vida financeira imediata.
- Para o fundo: O fundo pagou R$ 90.000 por um ativo que vale R$ 150.000 (e que continua sendo corrigido pela Selic). O lucro do fundo será a diferença (R$ 60.000) mais toda a correção de juros até o dia em que o governo finalmente pagar o valor total.
Como funciona o pagamento de precatórios

Se o pagamento fosse rápido e certo, não haveria desconto e, portanto, não haveria mercado para os fundos. O como funcionam precatórios na prática é o que cria a oportunidade.
O pagamento depende do orçamento público. A Constituição Federal define regras, mas elas mudaram várias vezes.
Resumidamente, existe uma “fila” organizada por ano e por tribunal. Além disso, os entes públicos se dividem em regimes de pagamento:
- Regime Geral: Para quem paga em dia. A dívida emitida em um ano (até 2 de abril) deve ser paga até o final do ano seguinte.
- Regime Especial: Para governos muito endividados (a maioria dos estados e municípios). Eles têm prazos mais longos e regras complexas para quitar seus estoques de dívidas.
Nos últimos anos, o Brasil viu diversas mudanças (como a “PEC dos Precatórios”) que estabeleceram um teto de gastos para o pagamento, especialmente na esfera Federal.
Essa complexidade e as mudanças constantes nas regras criam a combinação perfeita de incerteza e oportunidade. A incerteza aumenta o deságio (o desconto) que o credor original aceita, e a oportunidade permite que fundos especializados, que sabem analisar esse risco, consigam retornos elevados.
Quem vende precatórios para fundos
Do outro lado da mesa dos fundos que compram precatórios, está o credor original. Geralmente, são pessoas ou empresas que preferem receber menos, mas receber agora, do que esperar indefinidamente na fila do governo.
Os vendedores mais comuns são:
- Idosos: Pessoas que ganharam a ação, mas temem não estar vivas para receber o valor total.
- Herdeiros: Muitas vezes, o credor original falece e os herdeiros recebem o precatório. Para evitar burocracias de inventário e dividir o dinheiro, preferem vender o título e repartir o valor líquido.
- Empresas com necessidade de caixa: Uma empresa pode ter R$ 1 milhão a receber do governo, mas precisa de R$ 600 mil hoje para pagar salários ou investir na operação. A venda do precatório se torna seu capital de giro.
- Pessoas cansadas de esperar: Simplesmente, quem se esgotou com a burocracia e prefere ter o dinheiro em mãos, mesmo com desconto.
Os fundos entram como provedores de liquidez, oferecendo uma saída imediata para quem não pode ou não quer esperar pelo governo.
Entendemos o que são precatórios, como eles nascem e por que os fundos de investimento veem esse mercado como uma grande oportunidade. Agora, vamos abrir a “caixa-preta” e entender o como.
Como, exatamente, fundos compram precatórios? Qual é o processo desde a oferta inicial até o fechamento do negócio? A resposta está em um processo rigoroso que mistura análise financeira, faro de mercado e, acima de tudo, uma profunda análise jurídica.
Como começa a negociação de compra
Raramente o credor original (a pessoa que ganhou a ação) bate na porta de um grande fundo de investimento. O processo de investimento em precatórios geralmente começa de duas formas:
- Intermediários (Brokers): Existem escritórios de advocacia e consultorias especializadas que “garimpam” o mercado. Eles encontram credores que desejam vender, estruturam um pacote de precatórios e os oferecem aos fundos.
- Oferta Direta (Originadores): Alguns fundos possuem equipes internas que buscam ativamente os credores, muitas vezes focando em grandes lotes ou em precatórios de valores elevados.
Quando um precatório é identificado, a primeira análise do fundo é rápida e objetiva:
- Quem é o devedor? (União, Estado de SP, Município de uma cidade pequena?)
- Qual o valor de face atualizado? (O valor original mais juros e correção).
- Qual o ano previsto para pagamento? (Está na fila para este ano ou daqui a 8 anos?)
- Qual a natureza do crédito? (É alimentar, como salário, ou comum, como desapropriação?)
Exemplo realista de uma oferta
Um intermediário apresenta um precatório estadual de R$ 500.000 ao Fundo A. O pagamento está previsto na fila para daqui a 3 anos. O credor, que precisa do dinheiro para uma cirurgia, quer vender.
O fundo, após uma análise inicial, faz uma proposta de compra: R$ 350.000 à vista.
Se o credor aceitar, o processo avança para a etapa mais crítica de todas.
A análise jurídica: a etapa mais importante
Antes de o fundo desembolsar um único real, sua equipe jurídica (ou um escritório terceirizado de alta especialização) faz uma varredura completa no precatório. É o que o mercado chama de due diligence (diligência prévia).
É um trabalho investigativo para garantir que o “título” que o fundo está comprando é seguro e realmente vale o que se espera.
Analogia simples: Comprar um precatório sem análise jurídica é como comprar uma casa sem verificar a escritura, os impostos ou se há um inquilino que não quer sair. Você pode estar comprando um direito legítimo ou uma dor de cabeça gigantesca.
A análise verifica, passo a passo:
- A Decisão Final (Trânsito em Julgado): O processo realmente acabou? Não há nenhuma brecha para o governo recorrer?
- Documentação Completa: Todos os documentos do processo original estão corretos?
- Cálculo do Valor: O valor de R$ 500.000 do nosso exemplo está correto? Houve contestação do governo sobre esse cálculo?
- Existência de Bloqueios: O precatório já foi penhorado para pagar outra dívida do credor? Há alguma disputa de herdeiros sobre ele?
- Histórico do Ente Devedor: O estado em questão é um bom pagador? Costuma atrasar ou criar dificuldades?
Tipos de risco jurídico avaliados
Os advogados do fundo estão procurando por “bandeiras vermelhas”. Os principais riscos são:
- Risco de Glosa: Este é um termo-chave. “Glosa” é quando o governo, na hora de pagar, alega que o cálculo estava errado e “corta” parte do valor. O fundo pode comprar um título de R$ 500 mil e o governo só reconhecer R$ 450 mil.
- Risco de Suspensão: Decisões de tribunais superiores (como o STF) podem suspender pagamentos ou alterar a ordem da fila.
- Risco de Fila (Cronológico): A estimativa de 3 anos para o pagamento é apenas isso: uma estimativa. Atrasos no orçamento podem empurrar esse prazo.
- Risco Constitucional (PECs): Como vimos no Brasil, mudanças nas regras (as famosas PECs) podem alterar o teto de gastos e a forma como o governo paga, impactando diretamente o prazo de recebimento.
Como fundos calculam o desconto de compra

Se a análise jurídica der “luz verde”, o fundo parte para a precificação. O famoso desconto do precatório (ou deságio) não é aleatório. Ele é calculado com base em três fatores principais:
- Qualidade Jurídica: Quanto mais “limpo” e seguro for o título (sem risco de glosa, 100% transitado em julgado), menor será o desconto exigido.
- Prazo Estimado: Tempo é dinheiro. Quanto mais tempo o fundo estimar que vai demorar para receber, maior será o desconto para compensar o custo de oportunidade desse capital.
- Risco do Devedor: Um precatório da União (Governo Federal), considerado o melhor pagador, tem o menor desconto. Um precatório de um pequeno município com histórico ruim de pagamentos terá um desconto imenso, se é que algum fundo vai querer comprá-lo.
Exemplo de descontos (Ilustrativo)
- Precatório da União (Federal): Considerado o mais seguro. Descontos podem variar de 10% a 25%.
- Precatório Estadual (Ex: São Paulo): Estados bons pagadores. Descontos médios, talvez de 20% a 40%.
- Precatório Municipal (Cidade Pequena): Alto risco de atraso. Descontos podem ser agressivos, de 30% a 60% ou mais.
Como fundos calculam o retorno esperado
Para o fundo, a conta é uma Taxa Interna de Retorno (TIR). Em termos simples, eles colocam na balança:
- O valor que estão pagando hoje (o desembolso);
- O valor de face que esperam receber (o total corrigido);
- O tempo estimado para receber;
- Os juros (Selic) e a correção monetária (IPCA-E) que incidem sobre o valor total até o pagamento.
Exemplo de retorno
Imagine um precatório de R$ 300.000, com previsão de pagamento em 2 anos. Após a análise, o fundo estima que o valor corrigido no pagamento será de R$ 350.000.
O fundo faz uma oferta de R$ 200.000 ao credor.
Se tudo correr como planejado e o fundo receber os R$ 350.000 em 2 anos, ele terá um lucro de R$ 150.000 sobre os R$ 200.000 investidos. Isso representa um retorno total de 75% no período, ou uma taxa anualizada muito atrativa.
Como funciona a cessão de precatórios
Uma vez que o preço é acordado, a mágica jurídica acontece através de um “Contrato de Cessão de Precatórios” (ou Cessão de Crédito).
É um processo formal e legal:
- O Contrato: O credor original (cedente) e o fundo (cessionário) assinam um contrato, geralmente por escritura pública em cartório, onde o credor declara que está “vendendo” seu direito de recebimento.
- A Homologação: Os advogados do fundo levam esse contrato ao tribunal onde o processo do precatório tramitou.
- Petição ao Juiz: Eles pedem ao juiz que “homologue” (reconheça oficialmente) a troca de titularidade.
- Atualização no Processo: O juiz autoriza a mudança. O nome do credor original é removido dos autos e o Fundo de Investimento é cadastrado como o novo e único beneficiário daquele pagamento.
Explicação simples: A cessão de precatórios é como transferir a titularidade de uma conta de luz que está para ser paga. O governo (devedor) já reconheceu a dívida; o fundo apenas informa à justiça: “Olha, não pague mais para a Professora Maria. A partir de agora, pague para mim, Fundo A.”
Quais tipos de precatórios os fundos preferem

Fundos são gestores de risco. Por isso, embora exista compra de precatórios na prática de todos os tipos, eles têm suas preferências claras para minimizar surpresas:
✅ Os mais procurados:
- Precatórios Federais: Pela segurança do pagador (União).
- Precatórios Alimentares: Têm prioridade constitucional na fila de pagamento (salários, pensões, indenizações por morte).
- Pagamento de Curto/Médio Prazo: Títulos que já estão no orçamento do ano seguinte ou dos próximos dois anos.
- Títulos “Limpos”: Sem risco de glosa, sem disputas de herdeiros e 100% transitados em julgado.
🚫 Os que evitam (ou exigem desconto máximo):
- Precatórios de municípios pequenos e com histórico ruim.
- Títulos com disputas entre herdeiros ou sócios.
- Casos onde o cálculo do valor ainda está sendo discutido na justiça.
- Precatórios com prazos de pagamento muito longos (acima de 10 anos).
Anteriormente, desvendamos o que são precatórios e como os fundos realizam a complexa operação de compra (a due diligence jurídica e a negociação). Agora, vamos ao ponto que mais interessa ao investidor: por que correr o risco? Quais são as reais vantagens dos precatórios e quais são os perigos que devem ser monitorados?
Por que fundos investem em precatórios: principais vantagens
A atratividade desse mercado para fundos que compram precatórios não se baseia em um, mas em um conjunto de fatores que, combinados, criam um investimento alternativo muito particular.
Potencial de retorno elevado
Esta é a vantagem principal. Como vimos, o fundo compra o precatório com um grande desconto (deságio) sobre o valor de face. O lucro não vem de uma mágica, mas da simples execução de comprar barato um direito que, no futuro, será pago pelo valor cheio.
Exemplo prático: Se um fundo compra por R$ 120 mil um precatório cujo valor de face atualizado é de R$ 200 mil, ele não precisa que o ativo “valorize”. Ele só precisa que o devedor (o governo) cumpra sua obrigação. Quando o pagamento de R$ 200 mil cair na conta do fundo, o retorno sobre o capital investido é impressionante.
Correção monetária + juros
Precatórios não são títulos “mortos” que ficam parados na fila. Eles são corrigidos. Dependendo da natureza (federal, estadual, comum, alimentar), eles são atualizados pela inflação (IPCA-E) ou pela taxa básica de juros (Selic).
Isso significa que, enquanto o fundo espera na fila, o valor total da dívida continua crescendo. É uma proteção contra a inflação e um “prêmio” pelo tempo de espera.
Baixa correlação com o mercado financeiro
Esta é uma das características mais buscadas em investimentos alternativos. O pagamento de um precatório não depende:
- Se a Bolsa de Valores (Ibovespa) subiu ou caiu;
- Se a taxa de câmbio (dólar) disparou;
- Se houve uma crise global no petróleo.
O risco do precatório é outro: é um risco jurídico (o processo estar correto) e um risco político/orçamentário (o governo ter o dinheiro e a regra para pagar). Para um gestor, ter um ativo que “ignora” o pânico do mercado tradicional é excelente para diversificação.
Diversificação em ativos judiciais
Para fundos multimercado ou fundos de crédito, ter uma fatia do portfólio em ativos judiciais (como precatórios) significa adicionar uma classe de investimento completamente nova, que se comporta de maneira diferente de ações ou debêntures.
Os principais riscos e incertezas dos precatórios

Agora, o outro lado da moeda. Se o retorno é alto, é porque os riscos de investir em precatórios não são desprezíveis. É fundamental conhecê-los com transparência.
Risco de atraso no pagamento (Risco Político)
Este é, de longe, o maior risco. A fila de pagamento depende da Constituição, do orçamento público e da vontade política. O Brasil tem um longo histórico de mudar as regras no meio do jogo.
O caso mais recente e famoso foi a “PEC dos Precatórios” (Emendas Constitucionais 113 e 114), que criou um “teto” para o pagamento, essencialmente adiando o recebimento de bilhões de reais que já estavam na fila. O fundo pode ter calculado receber em 2 anos, e uma mudança política empurra esse prazo para 4 ou 5 anos, afetando drasticamente o retorno anualizado.
Risco jurídico residual e Risco de Glosa
Embora os fundos façam uma due diligence rigorosa, sempre existe um risco residual.
- Glosa: O governo, na hora de pagar, pode alegar um erro no cálculo inicial da dívida e “glosar” (cortar) parte do valor. O fundo compra R$ 200 mil, mas o governo alega que só deve R$ 180 mil.
- Disputa sobre atualização: Mesmo após o trânsito em julgado, pode haver disputas sobre como o valor deve ser corrigido (qual índice usar, desde quando), o que pode parar o pagamento até uma nova decisão.
Baixa liquidez
Este não é um “risco” no sentido de perda, mas uma característica fundamental: precatórios não têm liquidez. O fundo não consegue “vender” o precatório rapidamente no mercado, como faria com uma ação da Petrobras.
É um investimento de “casamento”: você compra e espera sentado até o dia do pagamento.
Investir em precatórios é investir em algo real, mas não imediato. É um jogo de paciência.
Riscos adicionais específicos para fundos
Além dos riscos do ativo em si, os fundos que operam nesse mercado enfrentam desafios de gestão:
- Risco de carteira concentrada: Se o fundo é pequeno e compra poucos precatórios de valor muito alto, o atraso ou a glosa em um deles pode prejudicar todo o resultado.
- Risco de decisões judiciais (STF): Uma única decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a metodologia de correção ou a ordem da fila pode afetar o valor de todos os precatórios da carteira.
- Risco de fluxo de caixa: Se muitos pagamentos atrasam ao mesmo tempo, o fundo pode ficar “travado” por anos, sem ter como remunerar a gestão ou pagar eventuais resgates (se o regulamento permitir).
Comparação entre precatórios e outros investimentos
Para o iniciante, ajuda colocar os precatórios lado a lado com produtos conhecidos.
Precatórios vs Renda Fixa (Tesouro Direto)
- Renda Fixa (Tesouro Selic): É o porto seguro. A liquidez é diária, o risco é baixíssimo (soberano) e a previsibilidade é total. O retorno é modesto.
- Precatórios (via Fundo): É o oposto. A liquidez é nula, o risco é jurídico/político e o prazo é imprevisível. O potencial de retorno é muito maior.
- Conclusão: Precatórios servem para diversificar, jamais para substituir sua renda fixa ou reserva de emergência.
Precatórios vs Bolsa de Valores (Ações)
- Bolsa: O risco é de mercado. A empresa pode dar prejuízo, a economia pode encolher. A liquidez é alta (você vende no mesmo dia).
- Precatórios: O risco é de “calote” ou atraso do governo. O retorno é mais calculável (você sabe o valor de face), mas o prazo é a grande incógnita.
- Conclusão: São riscos totalmente diferentes. Ter ambos diminui o risco global da carteira.
Precatórios vs Crédito Privado (Debêntures)
- Crédito Privado: Você “empresta” dinheiro para uma empresa (debênture) e corre o risco de ela falir (inadimplência privada). O vencimento é definido.
- Precatórios: Você “compra” uma dívida do governo e corre o risco de ele não pagar na data (inadimplência pública). O vencimento depende de uma fila.
- Conclusão: São ambos investimentos de crédito, mas contra devedores diferentes e com regras de pagamento distintas.
Para quem esse tipo de fundo faz sentido

Após analisar vantagens e riscos, fica claro que fundos de precatórios não são para qualquer um.
Esse investimento FAZ sentido para:
- Investidores com horizonte de longo prazo (dispostos a esperar de 3 a 10 anos).
- Investidores de perfil moderado a agressivo.
- Quem já possui uma carteira diversificada (já tem reserva de emergência, renda fixa e ações).
- Quem busca diversificação sofisticada com ativos descorrelacionados.
- Investidores Qualificados (que possuem mais de R$ 1 milhão investidos) ou Profissionais, que são o público-alvo da maioria desses fundos.
Esse investimento NÃO faz sentido para:
- Investidores iniciantes.
- Pessoas de perfil conservador.
- Quem precisa de liquidez (pode precisar do dinheiro no curto prazo).
- Quem não tolera incertezas ou não está disposto a aguardar anos pelo retorno.
Agora que entendemos claramente as vantagens, os riscos reais e como os precatórios como investimento se comparam a outras formas de alocação, em seguida vamos explorar como o investidor pessoa física pode acessar esse mercado na prática — seja por meio de fundos de investimento (FIDCs), plataformas especializadas ou até na compra direta.
Como investir em precatórios através de fundos
Para a maioria das pessoas, esta é a forma mais acessível, segura e profissional de investir em precatórios. Você não compra o título diretamente; você compra cotas de um fundo que faz isso por você.
Como funciona o fundo
Geralmente, são Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (FIDCs). São fundos geridos por profissionais (gestoras) cujo trabalho é justamente aquele que descrevemos anteriormente: garimpar, analisar, negociar, comprar e esperar o pagamento de dezenas ou centenas de precatórios.
- Quem pode investir: A grande maioria desses fundos é restrita a Investidores Qualificados (que possuem mais de R$ 1 milhão investidos) ou Profissionais (com mais de R$ 10 milhões). Fundos para o público geral (varejo) são raros devido ao risco e à baixa liquidez do ativo.
- Retorno e Prazo: O retorno esperado varia, mas busca superar (e muito) a renda fixa. Os prazos são longos; é comum que fundos de precatórios tenham “travas” de resgate de 2, 3 ou até 5 anos.
- Taxas: Como qualquer fundo, existem custos. Os mais comuns são a Taxa de Administração (pelo trabalho de gestão) e a Taxa de Performance (um bônus se o fundo superar uma meta).
Vantagens e Desvantagens
| Vantagens (Por que escolher fundos) | Desvantagens (Pontos de atenção) |
| Gestão Profissional: Você tem especialistas fazendo a análise jurídica e de risco. | Taxas: Parte do retorno fica com a gestora. |
| Diversificação: O fundo compra vários precatórios (federais, estaduais, etc.). Se um atrasar, outros podem pagar, diluindo o risco. | Baixa Liquidez: Você não pode sacar o dinheiro a qualquer momento (prazos longos de resgate). |
| Acesso Facilitado: É mais simples comprar uma cota do que comprar um precatório inteiro. | Pouca Transparência (às vezes): Pode ser difícil saber exatamente quais precatórios estão na carteira. |
Cuidados ao escolher um FIDC
- Verifique o histórico da gestora: ela tem experiência nesse mercado?
- Entenda o regulamento: qual é o prazo de resgate (trava de liquidez)?
- Analise a carteira (se disponível): o fundo é focado em títulos federais (mais seguros) ou municipais (mais arriscados)?
- Compare as taxas.
Como funciona o investimento por plataformas especializadas
Nos últimos anos, surgiram “fintechs” e plataformas de investimentos alternativos que funcionam como um meio-termo. Elas não são um fundo, mas facilitam a compra direta de precatórios.
Como funciona a plataforma
Essas empresas fazem a due diligence (análise de risco e jurídica) de um precatório, “empacotam” ele de forma digital e o oferecem em sua plataforma.
- Análise Prévia: Elas já fizeram o trabalho de verificar se o título é “limpo”.
- Compra de Frações: A grande vantagem. Você não precisa comprar um precatório de R$ 500 mil. A plataforma permite que você compre uma “fração” dele, investindo R$ 10 mil ou R$ 20 mil, por exemplo.
- Segurança Contratual: A operação é estruturada com contratos digitais que garantem seu direito sobre aquela fração do pagamento futuro.
Passo a passo simples
- Cadastro: Você se cadastra na plataforma.
- Seleção: Você vê um “cardápio” de precatórios disponíveis (ex: “Precatório Federal, devedor: União, valor: R$ 100 mil, prazo estimado: 2 anos, retorno X”).
- Análise: A plataforma disponibiliza o sumário da análise jurídica e os documentos.
- Investimento: Você escolhe o valor, assina o contrato digital e transfere os fundos.
- Acompanhamento: Você acompanha pela plataforma até o governo realizar o pagamento, que é então repassado a você.
Como funciona a compra direta de um precatório
Esta é a modalidade “raiz”, a mais complexa e arriscada. É quando você, investidor, decide encontrar um credor e comprar o título diretamente dele.
- Exige Advogado: Você precisará de um advogado altamente especializado para fazer a due diligence completa do processo.
- Negociação Direta: Você terá que negociar o desconto (deságio) diretamente com o credor ou seus representantes.
- Homologação Judicial: A “Cessão de Crédito” precisa ser feita por escritura pública e depois homologada (aprovada) pelo juiz do processo, o que gera custos de cartório e taxas.
Alerta Importante: A compra direta de precatórios só é recomendada para investidores muito experientes (geralmente family offices ou investidores profissionais) que possuam suporte jurídico e financeiro robusto. O risco de comprar um título “podre” (com vícios jurídicos) é altíssimo para quem não é do ramo.
Documentos essenciais para analisar antes de investir
Seja via plataforma ou compra direta, uma análise séria (a due diligence) deve verificar, no mínimo:
- Cópia do Processo (Autos): Para entender a origem da dívida.
- Certidão de Trânsito em Julgado: O documento que prova que o processo acabou e não há mais recursos. É a “certidão de nascimento” do precatório.
- Cálculo Atualizado: Para saber o valor de face exato hoje.
- Certidões Negativas do Credor: Para garantir que o precatório não está penhorado para pagar outras dívidas do vendedor.
- Posição na Fila de Pagamento: Para estimar o prazo de recebimento.
- Histórico do Ente Público: O devedor (estado ou município) é um bom pagador?
Critérios para escolher bons precatórios ou bons fundos

Seja escolhendo um fundo ou um título específico numa plataforma, seus critérios de análise devem ser:
- Devedor: Precatórios Federais (União) são os mais seguros. Estaduais (como SP) são bons. Municipais exigem muito mais cautela.
- Tipo: Precatórios Alimentares têm prioridade na fila.
- Prazo Estimado: Prazos mais curtos geralmente têm descontos menores, mas maior previsibilidade.
- Risco de Glosa: O cálculo do valor é simples e indiscutível? Ou é complexo e o governo pode contestá-lo?
- Qualidade Jurídica: O caso está 100% “limpo”?
- Retorno x Risco: O desconto oferecido (o potencial de lucro) compensa o risco e o tempo de espera?
Exemplo fictício: Entre dois precatórios de R$ 100 mil, o investidor deve preferir o Precatório A (Federal, alimentar, prazo 2 anos, desconto de 20%) ao Precatório B (Municipal, comum, prazo 5 anos, desconto de 35%). Embora o desconto de B seja maior, o risco e o prazo do Precatório A são imensamente menores.
Principais cuidados e erros que o investidor deve evitar
Investir em precatórios pode dar muito certo, mas é fácil cometer erros caros.
- ❗ Não investir sem reserva de emergência: Este é um dinheiro “carimbado” para o longo prazo. Jamais use o dinheiro do seu colchão de segurança.
- ❗ Não investir buscando retorno rápido: Precatórios são o oposto de day trade. É um investimento de paciência, de anos.
- ❗ Não ignorar a análise jurídica: Este é o erro fatal. Um documento faltando ou uma análise malfeita pode fazer seu investimento virar pó.
- ❗ Não concentrar seu patrimônio: Mesmo os fundos de precatórios são investimentos alternativos. Eles devem ser uma pequena parte (5% a 10%) de uma carteira já diversificada.
- ❗ Não subestimar os riscos políticos: Como vimos antes, o Brasil pode mudar as regras. Sempre considere que os prazos podem ser maiores que o esperado.
- ❗ Não comprar títulos “baratos demais”: Descontos muito agressivos (60%, 70%) geralmente indicam um risco jurídico ou de prazo gigantesco. Desconfie.
Agora que você sabe como investir em precatórios na prática — seja por fundos, plataformas especializadas ou compra direta — e conhece os cuidados essenciais, estamos prontos para a etapa final. Em seguida, vamos reunir tudo em uma conclusão clara, com um resumo geral e as orientações finais para quem está pensando em alocar capital nesse mercado.
Recapitulando tudo o que aprendemos
Chegamos ao fim da nossa jornada pelo complexo, mas fascinante, universo dos precatórios como investimento. Ao longo deste guia, dissecamos um dos investimentos alternativos mais discutidos no Brasil, transformando um jargão jurídico em uma tese de investimento clara.
Vamos relembrar o caminho que percorremos:
- O que são: Começamos pelo básico, entendendo que precatórios são dívidas oficiais do governo, reconhecidas pela Justiça após uma condenação definitiva. Vimos como eles nascem de ações judiciais e por que o atraso no pagamento cria um mercado.
- Como os fundos compram: Abrimos a “caixa-preta” e vimos o processo prático de compra: a análise jurídica rigorosa (due diligence), o cálculo do desconto (deságio) e a formalização da compra (Cessão de Crédito).
- Riscos vs. Vantagens: Colocamos na balança o porquê de tanto interesse. De um lado, o alto potencial de retorno e a baixa correlação com a bolsa; do outro, os riscos reais de atraso, de “glosa” e as incertezas políticas do Brasil.
- Como investir na prática: Exploramos os três caminhos para o investidor: os fundos de precatórios (FIDCs), as plataformas especializadas (que vendem frações) e a arriscada compra direta.
Entender essa sequência é fundamental. Ela mostra que, embora atrativo, este não é um mercado para amadores. É um campo que exige estudo, paciência e, acima de tudo, uma excelente assessoria jurídica e financeira.
Para quem investir em precatórios faz sentido
Com base em tudo o que vimos, vale a pena investir em precatórios? A resposta é: depende inteiramente do seu perfil e objetivos.
Este investimento é altamente indicado para um grupo específico:
- ✅ Investidores com horizonte de médio a longo prazo (que não se importam em esperar 3, 5 ou mais anos).
- ✅ Pessoas que já possuem uma carteira sólida (com reserva de emergência e outros investimentos mais líquidos).
- ✅ Investidores de perfil moderado a agressivo, que aceitam trocar liquidez e previsibilidade por um potencial de retorno maior.
- ✅ Quem busca diversificação sofisticada com ativos “descorrelacionados” do mercado tradicional (bolsa, câmbio).
- ✅ Investidores Qualificados (com mais de R$ 1 milhão), que são o público-alvo da maioria dos fundos e plataformas.
E para quem NÃO faz sentido
Este mercado não é para todos. Fuja dos precatórios se você:
- 🚫 É um investidor iniciante e ainda está montando sua reserva.
- 🚫 Precisa do dinheiro rapidamente ou não pode arcar com travas de liquidez longas.
- 🚫 Tem um perfil conservador e não tolera incertezas jurídicas ou políticas.
- 🚫 Acredita que este é um dinheiro “fácil” ou rápido.
Guia final para investir com segurança

Se você se encaixa no perfil adequado e decide explorar esse mercado, use este checklist como seu guia de segurança. Não pule etapas.
- ✅ Estude profundamente: Entenda o que é um precatório, quais são os tipos (alimentar, comum) e quem é o devedor.
- ✅ Verifique o histórico: O ente público (União, estado ou município) é um bom pagador?
- ✅ Avalie o desconto: O deságio oferecido compensa o tempo de espera e o risco assumido?
- ✅ Confirme o prazo: Qual é a posição real na fila de pagamento?
- ✅ Exija a documentação: A análise jurídica (due diligence) está completa? A certidão de trânsito em julgado está correta?
- ✅ Prefira veículos confiáveis: Para a maioria das pessoas, fundos de precatórios (FIDCs) ou plataformas reguladas são a porta de entrada mais segura.
- ✅ Diversifique (mesmo aqui): Não invista em um único título. Prefira fundos que possuem dezenas de precatórios ou diversifique sua compra em várias plataformas.
- ✅ Seja paciente: Este é um investimento de espera.
- ✅ Limite a exposição: Invista apenas uma pequena parte do seu patrimônio total (ex: 5% a 10%).
Lembre-se: Precatórios podem oferecer retornos muito altos, mas exigem paciência, análise minuciosa e uma estratégia de longo prazo.
Um mercado complexo, mas cheio de oportunidades
O mercado de precatórios pode parecer intimidante à primeira vista. Ele vive na intersecção entre o direito, a política e as finanças. No entanto, por trás da complexidade, existe um ativo legítimo e com fundamentos sólidos: uma dívida reconhecida pelo Estado.
O que os fundos de investimento fazem é aplicar técnica, capital e paciência para extrair valor dessa espera.
Para o investidor pessoa física, a sofisticação desse mercado não deve ser um impeditivo, mas um alerta para a necessidade de estudo e cautela. Os altos retornos existem, mas eles são o prêmio pago a quem faz a lição de casa, entende os riscos e aloca seu capital de forma inteligente.
Entender como fundos compram precatórios é o primeiro passo para transformar um tema jurídico complexo em uma oportunidade real de investimento — segura, estratégica e capaz de diversificar o seu portfólio.




